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ENTREVISTA COM GEREBA

A Página dos Amigos de Fagner tem a honra de trazer para vocês, um dos músicos mais importantes e fundamentais da música brasileira que é o nosso entrevistado desta vez. Vamos deixar que ele nos conte sobre sua carreira, suas parcerias e acima de tudo sobre o lindo trabalho de resgate da verdadeira música brasileira que sempre foi a tônica de seu trabalho. Em uma entrevista especial e exclusiva, aqui está o grande músico e cidadão brasileiro de primeira grandeza: GEREBA


1. Gereba, em primeiro lugar queríamos agradecer sua gentileza em conceder essa entrevista para a Páginas dos Amigos de Fagner e gostaríamos de começar falando sobre o seu envolvimento com a música. Como tudo começou ?
G- Bem, comecei tocando violão no interior da Bahia em cidades que morei: Monte Santo meu torrão natal, a 350 km de Salvador no Sertão de Canudos-Ba, Uauá, Tucano e Serrinha, nessa ultima montei conjunto de baile e comecei a compor e a participar de festivais em Salvador. Formei um conjunto chamado “Os Deuses” que era, na década de 70, muito conhecido lá pelo interior e muito solicitado até para acompanhar figuras famosas da Jovem Guarda como Wanderley Cardoso, Golden Boys, Marcos Pitter e outros, que quando chegavam em Salvador procuravam logo a gente lá em Serrinha(186 km de Salvador). Era também muito solicitado para fazer bailes no Norte-Nordeste por um conjunto que tocava de tudo, bossa nova, Beatles e claro os sucessos do radio, tinha sax, piston, órgão, viola elétrica (meu instrumento), bateria, baixo percussão, guitarra e cantor. O conjunto de baile foi a minha grande escola, mas antes, em Tucano (terra do ator Othon Bastos), tocava na orquestra do maestro João Neves, neste tempo eu tinha 15 anos e tocava violão elétrico ligado em um radio grande e sempre toquei de ouvido, enquanto os outros tocavam lendo partitura. Foi fundamental pra mim este período. Em 1971 fui convidado por Jorge Amado para fazer a trilha da peça “Quincas Berro D’Água” , até fez um comentário para o encarte do disco que diz: “ As músicas do Quincas que é meu é de João Augusto e de Gereba, aqui estão neste disco, falam da vida , da morte e do amor, cantam a Bahia e o povo, no baião ‘QUINCAS BERRO D’ÁGUA de Gereba e Patinhas.” A maior montagem de Teatro da Bahia com 60 atores no palco, dirigida por João Augusto, parceiro de Gilberto Gil na musica Roda, gravada por Elis. Já morando em Salvador, participava das noites de improvisos que rolavam no Teatro Vila Velha, onde começou todo mundo, Caetano, Gil, Tom Zé, Gal Gosta e Bethânia. Lá fui descoberto por Roberto Menescal, que naquele tempo era diretor artístico da Philips e produziu o disco da trilha da peça que tinha na abertura a minha musica em parceria com o Patinhas, “O Baião do Quincas”, na verdade minha primeira gravação. Nesse disco, que tinha a trilha da peça, estavam Fernando Lona, Edil Pacheco, Nara Leão, e MPB4. Logo em seguida lancei pelo selo Fontana-Philips o meu primeiro disco, em 1973. Me lembro que quando fomos para o Rio gravar o disco, realizei um velho sonho: subir o corcovado a pé pelo mato e pela trilha do bondinho. Foi uma loucura e corremos o maior perigo, principalmente quando tínhamos que passar pelos pontilhões. Se viesse um bondinho, estávamos perdidos. Mas foi uma boa aventura. Chegamos exaustos no estúdio. Minha voz ficou muito ruim no disco, mas valeu. Foi lá, nos estúdios da gravadora, na Av. Rio Branco, que tive o prazer de conhecer o Fagner que também estava gravando o seu primeiro disco. Eu gravava o disco “Gereba - Bendegó” e ele o seu: Manera Fru Fru Manera-“Hollywood - Sucesso”. O Fagner morava na casa de uns franceses( Jacques e Lidia Libion) em Copacabana e a gente se encontrava para cantar e tocar violão por lá, foram noites inesquecíveis. Quando a gente se encontra, sempre repassamos estes momentos. Depois ele começou a cantar em seus shows uma musica minha e do Patinhas chamada “CHORADA” mas nunca gravou, gravou sim outras como “Te Esperei”, minha e do Capinam, feita para as “Diretas Já” com participação de Beth Carvalho, “Festa da Natureza”, minha e do Patativa do Assaré e “Eu e Tu” minha e do Tuzé de Abreu. Me orgulho muito em ter minhas musicas gravadas por ele e, melhor ainda quando mostra as mesmas para as suas grandes platéias com aquele carisma imenso que tem e que deixa a nós, autores, arrepiados. Senti isto quando ele apresentou o “Te Esperei” com o acompanhamento do nosso Dino Sete cordas no Teatro João Caetano, lotadíssimo. Uma certeza eu tenho: quando ele grava autores como eu, faz com muita consciência, assume o papel de uma espécie de zelador da MPB e ele explicitou bem este papel quando pilotou o selo EPIC na CBS, selo que alavancou a carreira de tanta gente importante como Elba, Geraldo Azevedo, Grupo Bendegó e tantos outros.

2. Em 1979, na época em que Fagner dirigiu o selo Epic, você lançou um disco pelo selo. Você também apareceu no programa “Movimento Musical Brasileiro” apresentado por Fagner na Rede Bandeirantes. Fale-nos um pouco sobre esse período.
G- Foi um período fantástico para nós do Grupo Bendegó e aquele especial mostrou quem estava fazendo Cultura popular de verdade, sem maquiagem e sem mercantilismo. Foi muito bom para todos nós, até já antecipei um pouco a resposta. Entre 73 e 79 aconteceram coisas bem marcantes com a gente, a exemplo da nossa chegada ao Rio de Janeiro, depois da excursão com Caetano Veloso, depois do lançamento do movimento Jóia e Qualquer Coisa. Me lembro que quando chegamos de Belo (ultima cidade da excursão nacional) na Central do Brasil, o Guilherme Araújo colocou à nossa disposição uma perua e todos nós do Bendegó, inclusive Djalma Corrêa, entramos e o motorista perguntou: “qual o destino?” Eu lhe respondi: “pra frente”. Pegamos o aterro do Flamengo. Até aí não sabia para onde ir. Peguei uma agendinha do bolso e bati o olho em um nome de um amigo de infância que estava no Rio há muito tempo, o Ari, que trabalhava em uma agência de publicidade que ficava no Flamengo. Tocamos para lá com uma perua cheia de aparelhos que tínhamos comprado com os cachês dos shows. Chegando lá, pedi para o Ari guardá-los em um quarto e fomos bater pernas no calçadão de Copacabana. Lá ficamos o dia inteiro. À noite fomos para o Baixo Leblon e lá encontramos com uma porrada de nordestinos que por lá perambulavam, o Alceu Valença, a Elba Ramalho com Geraldinho Azevedo, que , naquele tempo moravam juntos e estavam também naquela situação braba de grana. Terminaram hospedando o Zeca Barreto (meu irmão) em um apartamentozinho em Ipanema e o restante da turma foi parar em casas das benditas namoradas. Me lembro que o Patinhas (letrista e poeta oficial do grupo) que sempre foi um jornalista muito curioso e dos bons, sempre fazia matérias picantes e as vezes perigosas como a que cobriu para a rede Globo : “A Guerra das Malvinas” . Ele ganhou o “Premio Esso” de jornalismo com a matéria “A testemunha chave” que fez para a revista “Isto É”. Com esta matéria derrubou o Collor, bem, isto foi muito tempo depois. Naquela noite de chegada ao Rio, ele foi parar na casa de uma mãe de santo no Catumbi e depois começou a fazer uma bela entrevista com Cartola, que tinha sido descoberto naquele tempo por Stanislaw Ponte Preta em um estacionamento, lavando carro e cantando um de seus futuros clássicos. O Patinhas terminou fazendo uma bela matéria sobre ele e publicou em um grande jornal do Rio. Eu fui parar na casa de uma namorada baiana, lá em Laranjeiras. Mais tarde, o Grupo Bendegó foi morar em um casarão em Botafogo, que logo foi demolido, pois o Metrô estava para chegar. Foi muito louca a nossa passagem por lá. O Caetano chegou a fazer um ensaio com a gente nessa casa, que estava toda decorada, para ser rodado o filme “Uma noite sem Homen”, uma estória de Orígenes Lessa. Essa estória se passava em um puteiro de beira de estrada, e a gente passou a viver literalmente nesse puteiro, eu mesmo dormia em um quarto decorado com os retratos de Waldick Soriano e tinha penteadeira com baton e tudo. Na sala de visitas tinha uma mesa de sinuca com sereias pintadas na parede etc. Resultado: terminamos fazendo a trilha do filme e o Patinhas interferindo no roteiro. Foram alguns meses de convívio muito saudável e rico com atores e atrizes como Zezé Mota, Ítalo Rossi, Ítala Nandi, Beth Mendes e o nosso Grande Otelo. Bem, este filme até hoje não foi mostrado e finalmente o metrô chegou para acabar com a nossa festa. Voltamos para Salvador e passamos a trabalhar na oficina do Suíço Walter Smetak (o guru do tropicalismo) que antes, em 1973, tinha me apresentado a Caetano e Gil quando estavam chegando do exílio de Londres e eu chegando em Salvador em 71. Nessa fase costumava experimentar os instrumentos do velho bruxo (que era meu fã) e me chamava de Gerabah e chegou a publicar em uma revista de vanguarda um poema chamado “Gerebebo”. Fazia instrumentos que eram verdadeiras esculturas, tudo com cabaças e me tornei um experimentador dos instrumentos e grande amigo dele. Ele gostava muito das minhas musicas, especialmente “Princesa Sertaneja” que tive que cantar quando ele me apresentou para Gil e Caetano. Mais na frente em 77, 78, formamos o grupo “Os Mendigos”. Eu, Gilberto Gil, Kapenga, Zeca Barreto, Tuzé Abreu e Rogério Duarte (autor das capas dos discos tropicalistas), onde tocávamos aqueles instrumentos lindos do velho Smetak. Mais à frente, Caetano produziu um belo disco dele na Philips, onde faço um improviso de 8 minutos com Tak Tak (como Gil o chamava) . Nesse improviso, toquei um violão microtonizado e ele um chori (violino de cabaça). A capa do disco foi do Rogério Duarte.

3. Como é sua relação musical com o Fagner?
G- Sempre que a gente se encontra, lembramos dos nossos encontros na década de 70 quando chegamos ao Rio de Janeiro. Outro dia fizemos isto no Programa de radio do Assis Ângelo “São Paulo Capital Nordeste”. Aliás, estou realizando um projeto chamado “O BRASIL DA GENTE” que é, na verdade, um documentário baseado no acervo que disponho, com o registro de mais de 100 shows que realizei com convidados instrumentistas e grandes intérpretes, desde Silvio Caldas a Arnaldo Antunes. Ele tem a duração de uma hora e lá estão imagens de pelo menos 60 shows, com instrumentistas e cantores das mais variadas vertentes da musica brasileira. Essas imagens são projetadas em telão, antes de receber o convidado que poderá ser até um daqueles que estão no vídeo. A gente repassa a história da nossa MPB através de depoimentos. Por exemplo, o Paulinho Boca de Cantor conta aquela saudável malandragem dos “Novos Baianos Futebol Clube” e canta todos os seus grandes sucessos, assim como sambas nossos. O registro desses encontros foi gravado em vídeo e DAT. Os convidados foram muitos, desde Jair Rodrigues, Virginia Rosa, Ná Ozzeti, Naná Vasconcelos, Carlinhos Brown, Marlui Miranda, Mônica Salmaso, Vânia Bastos, Fagner, Antonio Nóbrega, Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Canhoto da Paraíba, Silvio Caldas, Inezita Barroso, Paulinho Nogueira, e uma dezena de instrumentistas do primeiro escalão da MPB como Armandinho, Paulo Moura, Hermeto, Oswaldinho do Acordeon, Nailor Proveta (Banda Mantiqueira) Duo Fel, Cartola em um especial produzido por Hermínio Belo de Carvalho para a TV E do Rio, e um dos últimos dele, Dominguinhos, Elba Ramalho e Mestre Ambrósio, no projeto “50 anos do Baião” realizado no Sesc Pompeia. Tem também Luiz Gonzaga no projeto que coordeno, o “Carnaforró” no Carnaval da Bahia, em 1986, no Trio Elétrico Carnaforró, onde tivemos o previlégio de deslocar o curso do carnaval baiano do centro de Salvador para a orla marítima. O primeiro trio a rodar por lá, em 86, foi o nosso, gerando depois o consagrado circuito Barra-Ondina e fazendo cair em 60% a violência na Folia Momesca, criando esta alternativa maravilhosa para o carnaval baiano. Estas imagens com Luiz Gonzaga, Fagner e outros você pode ver nos sites: www.paulus.com.br/gereba www.umes.org.br .
Gravei um disco ao vivo com Tom Zé, o “Cantando com a Platéia” ou “A falta que Neto fez na Copa” em 1990, que considero primoroso, pois Tom Zé conta causos e repassa a sua vida em Irará com aquele humor fino e característico dele. Tenho conversado com alguns cineastas conhecidos meus como a Lais Bodansk (diretora do premiado documentário “ CINE MAMBEMBE” com musica minha) para transformar tudo isto em um DVD com estes encontros maravilhosos que tive nestes 30 anos de carreira. Recentemente recebi no show “O Brasil da Gente”, o Paulinho Boca de Cantor e foi uma beleza a gente repassar aquela chegada ao Rio de Janeiro dos Novos Baianos e do Grupo Bendegó.

4. A música Festa da Natureza é uma música sua, a partir do poema de Patativa do Assaré. O poema é bem mais longo, tendo havido um processo de seleção e até de mudança de versos. Como se deu tal processo?
G- O Assis Ângelo, jornalista e radialista amigo nosso me mostrou duas entrevistas que ele havia feito com o Patativa, a primeira quando ele tinha uns 70 anos e a outra quando já estava com 89 anos. Aquilo me chamou muito a atenção. Levei as fitas cassetes para casa, restaurei passando para MD e comecei a fazer umas trilhas para aquelas lindas declamações do Patativa. O Assis gostou e terminou entrando no encarte do livro com aquelas gravações originais com a voz do Patativa e no meio dos escritos estava a ” Festa Da Natureza” que acabei musicando. O Fagner gostou e gravou lindamente ao vivo e em estúdio com um arranjo belíssimo no disco de 2002 (Me Leve).

5. Fagner gravou em 2001 a música Eu e Tu (em parceria com Tuzé de Abreu), que trata de um romance de alguém com um cantor (ou cantora). Qual a inspiração para tal música? Foi fato ou ficção?
G- Fiz para Anastácia e Dominguinhos quando desfizeram o casamento na década de 70, inclusive ela gravou primeiro e com arranjo do próprio Dominguinhos.
A música “Eu e Tu” já havia sido gravada por Amelinha, num excelente disco, em que ela canta ritmos nordestinos.

6. Qual a sensação para o compositor em ouvir sua obra nas vozes de artistas do nível de Amelinha e Fagner?
G- É o máximo, fico muitíssimo orgulhoso.

7. Outra música importante, poema de Capinan, gravada por Fagner, foi o samba Te Esperei, do disco de 1985, com participação de Beth Carvalho. O poema original também é mais longo. Você poderia falar um pouco do processo de composição desta música?
G- Esta música é talvez a mais importante que fiz com Capinam, pois foi a nossa primeira parceria e foi feita com muita paixão, foi feita em um momento cheio de muita emoção, de dor e de muita esperança, foi dentro do clima das “Diretas Já” . Falei dor porque eu tinha perdido meu filho Daniel (4 anos) e o Capinam tinha perdido também a Virginia, sua namorada. Quando acabamos a musica, levei o Capinam para o estúdio WR do amigo Rangel e lá o fiz declamar o poema inteiro e musiquei parte dele. Ficou emocionante o poeta declamando e chorando quando fala o nome da Virginia. Depois ele declamou no disco do Gonzaguinha com orquestra e tudo mas, a nossa, sem superprodução, é, segundo Paulinho da Viola, a melhor, com o que concordo plenamente. Logo que gravamos em Salvador, o Capinam mostrou para o Gonzaguinha, o Fagner e Beth Carvalho em um encontro sobre direitos autorais em Minas e as belas antenas deles colocaram a musica no cenário nacional através do disco do Fagner e do Gonzaguinha, se bem que no disco do Gonzaguinha ele não faz nenhuma referência ao meu nome. Na época fiquei bem chateado, pois a idéia original foi minha e ele me consultou se podia usar a forma, fui com o Capinam até o estúdio lá na Barra no Rio, mas no final não fez nenhuma referência ao meu nome no encarte do disco. Já com o Fagner foi diferente, ele foi corretíssimo e de quebra levou a Beth Carvalho pra cantar. Algum tempo depois lançaram um disco da obra do Capinam, e entrou a gravação original do poema, declamado pelo Capinam com meu solo de violão daquele meu disco independente e que nunca foi passado para CD. Aliás, nesse disco conto com a presença da cantora Selma Reis em sua primeira gravação cantando uma música minha e do Capinam “La Nave Vá”. Mas a presença mais importante nesse disco é a do meu pai (Geraldo Barreto) que era violonista e compositor. O Capinam ficou fascinado com a música em que ele participou tocando o seu violão solo. Um chorinho que ele tocava para a gente dormir. O Capinam gostou e botou letra que cantei em cima do seu lindo solo, ganhando o nome de “Pro Gereba e os onze”. A letra do Capinam diz: Eu vou botar meus 12 filhos pra dormir, vou dedilhando esse chorinho no violão, quando acordar um cafezinho bem quentinho, com os doze molequinhos, bem contente vou tomar,eu vou botar meus 12 filhos pra dormir, mas amanhã eu vou ter que trabalhar, um já se levantou outro vai dormir todos podem sonhar, vai vai meu bentevi, vai meu canarinho .... + o nome de 12 passarinhos e no fim “xô gavião”. Em 2001, quando meu pai se foi, gravei um disco pela Paulus “Canções que vêm do sol”, onde coloquei essa gravação de 85. É um disco dedicado a ele, a pessoas e lugares especiais. Tem uma música que fiz pra Santa Rosa- R.Grande do Sul, outra pra minha mãe, outra prá filho, para o amigo etc. Quando meu pai ficou em coma, eu tocava todas essas canções para ele no hospital e ele apertava minha mão. Ele gostava do meu toque de violão. Escrevi um texto para o encarte do Canções que diz:
“Numa noite tranqüila lá na casa do "veio" Geraldo e da "veia" Tereza, comecei a tocar no violão canções que me conduziram a lugares e a lembranças distantes. Lembrei de pessoas e de bons momentos da minha vida nos lugares que vivi, no interior da Bahia. Já passava das 8 da noite, mas o tempo parecia parar a cada lembrança. Olhei para o lado e vi a minha mãe bordando e senti uma grande ternura. Ela lá, sossegadinha no quarto e o meu pai ao seu lado, parecendo cochilar, mas apenas me ouvia tocar violão. (Era o meu maior admirador e eu sempre me orgulhei disso). Olhei-os e gravei aquela cena na memória dos meus sentimentos mais profundos. Muitas vezes eu e os meus irmãos (somos 12) dormimos ao som do violão do "veio" Geraldo, dos seus chorinhos e das suas valsinhas, músicas compostas para nós, suas "pérolas", como ele costuma dizer. Uma emoção muito forte tomou conta de mim. Senti uma paz enorme. Eu os acalentava.”
Algum tempo depois, toquei violão por noites seguidas pro "veio" Geraldo, no leito hospitalar, durante o seu longo coma, até quando ele foi iluminar outras dimensões. Toquei canções acalentando-o na sua despedida no Jardim da Saudade e continuo a acalentá-lo todas as vezes que toco, em qualquer lugar. Este disco é para ele. São as canções que vem do sol.
Gosto muito desse disco, convidei músicos eruditos e populares, nele contei com a presença tanto de Oswaldinho como a do Arcádio (OLM) tocando oboé.

8. Você poderia falar sobre sua discografia, tanto solo quanto com Bendegó e em especial os discos independentes, quase sempre ausentes de uma discografia oficial?
G-Bem, minha primeira gravação foi no disco da trilha da peça “Quincas Berro D’Água” em 1972. Em 1973, gravei meu primeiro disco que dei o nome de Bendegó, que no Tupi quer dizer “a estrela boa que caiu do céu” ou coisa grande de rara beleza. Bendegó foi também o maior meteorito caído na América do Sul e está no Museu da Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro. Depois, transformei o Grupo Bendegó em uma espécie de oficina a serviço da MPB, tanto que em 1976 gravamos pela Continental o primeiro disco do Grupo, já com a presença dos mineiros Vermelho e Eli que depois formaram o 14 BIS. Com esse caráter de oficina a gente teve na primeira formação Vermelho (teclados), Eli (Batera), Kapenga (Baixo cavaco, violão), Zeca Barreto (Violão e cavaco) e eu com violão, viola, cavaco, composições e arranjos. Enfim, uma turma de compositores, cantores, instrumentistas e arranjadores que chamou muito a atenção de Caetano Veloso depois de ver o nosso show “Bendegó- Um Som vindo do Céu” com direção de José Possi Neto. Ele foi realizado na igrejinha do Solar do Uião em Salvador. Depois disso ele nos convidou para gravar a música “O Canto do Povo de um Lugar”, no disco “Jóia”. Nessa gravação toquei viola, cantei e participei do arranjo coletivo a la Beatles. Caetano tinha escolhido a Banda Blak Rio para fazer a excurssão, mas Milton Nascimento ouviu a gravação do “canto” e recomendou a gente e com essa bela recomendação fizemos a turnê nacional com ele. Foi um sucesso maravilhoso. Acho que foi um dos grandes momentos do Grupo Bendegó, com direito a um show de 30 minutos dentro do espetáculo de Caetano que ficava na platéia assistindo a gente e em toda a publicidade constava sempre os nomes “Caetano Veloso e Grupo Bendegó”. Tinha tudo para virar sucesso nacional, inclusive passamos a lotar teatros como o Chico Nunes em Belo Horizonte, sozinhos depois das apresentações com Caetano, mas aconteceu um atrito bobo entre o Patinhas (autor das letras do Grupo) e Roberto Santana, depois que o Patinhas escreveu um artigo para um jornal na Bahia sobre a conhecida arrogância do Roberto, por este motivo foi barrada a possibilidade da Philips lançar um possível disco do Grupo com a participação de Caetano, mesmo assim não rolou. Naquele momento, Roberto Santana estava em alta na Companhia com discos de ouro de Fafá de Belém e Alcione. Muitos anos depois, em entrevista para a TV E, e já fora de gravadoras, o repórter perguntou o que ele não gostaria de ter feito e ele reconheceu que ele arrasou a carreira do Bendegó quando disse em uma reunião com o nosso produtor Paulo Pila (na época, produtor do Milton) que se o “grupo entrasse por uma porta ele sairia pela outra” . Esta foi a frase definitiva para a marginalização do grupo.
O Bendegó continuou fazendo o seu som “eletro-acústico refinado”, como a crítica falava, nos discos e shows de Moraes Moreira, Macalé, Diana Pequeno, Paulo Moura, Armandinho e até Cartola, ou seja mais de uma dezena de discos importantes. Em 1976 gravamos o segundo disco, “Onde o Olhar não Mira”, na Continental, que marcou a nossa chegada a São Paulo. Depois veio em 1979 o da CBS, desta vez naquele clima saudável e promissor da gravadora com o Selo EPIC, onde tinha o Fagner do outro lado do balcão. Fizemos um disco histórico que deveria estar em CD. Lá estavam nos vocais as futuras cantoras Tetê Espíndola, Vânia Bastos, Ná Ozzeti, um futuro violeiro Almir Sater, um futuro sanfoneiro Oswaldinho do Acordeon, a brilhante participação de Paulo Moura tocando um choro meu chamado “Bom Dia Violão” que depois Capinam botou letra e virou “La nave vá”. Contamos também nesse disco com arranjos maravilhosos de Rogério Duprat. Outro dia autografei este mesmo vinil em Natal e a pessoa me confessou que tinha comprado em um sebo por 300 Reais. Voltamos para a Continental e gravamos mais um, produzido por Pena Smith . É aquele que tem um trem na capa. Finalmente gravamos o “La Nave Vá” na 3M, o último do Grupo Bendegó que na verdade era um grupo de dois, eu e o Kapenga. Foi um disco muito bom com um timaço de músicos: Luiz Brasil, Bocato, Naylor Proveta (Banda Mantiqueira), Bruno Cardoso, Toninho Ferraguti e outros.

9. O Bendegó gravou um dos projetos mais bonitos seus que é o ligado à temática de Canudos. Fale-nos sobre isso.
G-Esse já não é mais do Bendegó , passou a fazer parte de projetos pessoais e que são muitos. Gravei o disco Canudos em 1997 pra lembrar a maior chacina da história do Brasil no centenário da Guerra de Canudos. Já tinha retornado à carreira solo em 1985 quando gravei o “Te Esperei” e em 1990 gravei ao vivo o “Cantando com a Platéia” com TomZé, que nunca foram passados pra CD , assim como todos os vinis do Grupo Bendegó que segundo o Herbert Viana, do “Paralamas do Sucesso”, são como livros de cabeceira. Ele era um fã nosso na década de 70 e estava sempre presente em nossos shows. Ele declarou isto lá no Chile, depois de um show do Paralamas para o Zeca Barreto (meu irmão e autor de vários sucessos como “Sintonia”, “Arrebentou a boca do balão” (com Elba Ramalho) e “Vida vida” cantada por Ney Matogrosso, tudo em parceria com Moraes Moreira) . Ele mora há 15 anos em Santiago-Chile.
Em 1993 gravei o primeiro Cd pela RGE “Gereba Convida” com Cassia Eller, Vânia Bastos, Tetê Espíndola, Alzira Espíndola, Roze, Virginia Rosa, Ná Ozzetti, Marlui Miranda, Neuza Pinheiro, Miriam Mirah, Bernadete França, Susana Bello, Cida Moreira, Toninho Ferraguti e Jota Gê. Considero um disco muito importante para minha carreira, inclusive lá tem uma coisa que os fãs da Cassia Eller não sabem sobre uma musica “Libido”, minha e do Capinam, com a interpretação maravilhosa de Cassia Eller que, naquele ano de 93, ainda não era sucesso. Nós fizemos shows juntos (voz e violão) no Bar Boca da Noite, no Bexiga, e outro dentro do Projeto SP, depois foi aquele sucessão merecido dela. Soube que este disco pode se encontrar facilmente em lojas de Tókio –Japão. Ainda em 1993, lancei juntamente com o pessoal do Grupo Trovadores Urbanos – “A serenata a domicilio”, em resposta à situação que nos deixou o COLLOR, aquele presidente, lembra? Oferecendo este serviço para a cidade de São Paulo. “Ofereça um presente para quem você gosta, ofereça uma serenata” . Ainda em 93 levamos a serenata para a França e logo que voltamos deixei o grupo para coordenar o projeto “Serenata na Umes-Gereba Convida” com o apoio do Ministério da Cultura. Hoje em dia, em São Paulo, existem mais de 20 grupos de serenatas oferecendo este serviço independente e prazeroso. Cheguei a entrar em mais de 1500 residências, toquei para muitos seqüestrados, fiz muita gente cantar, chorar e dançar nestas serenatas. A gente tocava aquelas músicas que estão no radio interior deles, por isso agradava tanto. A gente quando entrava na casa deles, entrava junto com Pixinguinha, Ataulfo, Tom Jobim, Cartola, Luiz Gonzaga e outros. Os Trovadores já fizeram mais de 20 mil serenatas. Falando em Luiz Gonzaga, em 1993 levei para São Francisco-California um projeto chamado “Forró e Gol” (homenagem a Pelé e Luiz Gonzaga) baseado numa música que fiz com o Guca Domennico: Forró e gol/Cada um fez mais de mil/Pelé e Luiz Gonzaga são os reis do meu Brasil/Passa o pé na bola e a mão no fole/Não faz corpo mole/Vai fazendo fila/Sanfoneiro canta e o zagueiro dança/Forró e bola arrastapé/Luiz Gonzaga e Pelé.
Esse foi um show dançante em um ginásio de lá, onde tivemos um público de 15.000 pessoas, sendo 12.000 pagantes. Receita simples: os gols de Pelé em um telão, a “Banda Quebra Gereba” tocando forró e muito chope e feijoada pra turma. É como se diz: Sucesso não tenho, mas idéias é o que não faltam e é assim que a gente vai tocando a vida. Tem uma produtora lá no Japão que tá querendo levar o nosso forró e gol pra lá em 2005. Com Luiz Gonzaga e Pelé, vou pro fim do mundo. Recentemente, em outubro desse ano, participei do “Segundo Festival Internacional do Mercosul”, no Uruguai e Argentina, levando essas cositas nossas e os dois musicais nossos: “Sertão, sertões São”, sobre Canudos, e o infantil “A Lenda do Quebra Nozes”, um passeio pelo interior do Brasil: as nossas lendas, teatros de bonecos etc.

10. Outro grande trabalho seu e de fundamental importância é a série de CDs produzida pelo selo CPC Umes – Serestas em que você convidava grandes nomes da música brasileira com registro ao vivo. Como foi realizar esse projeto?
G-Meu contato com o CPC-UMES ( Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo) foi importantíssimo. Lá tive o privilégio de conhecer pessoas como o Denoy de Oliveira e Sergio Rubens, que eram do lendário CPC do Vianinha e outras feras do Rio de Janeiro que agitaram na década de 60. Foi criado aqui em São Paulo o CPC-UMES, espelhado no antigo CPC que hoje em dia é gravadora e pilota lindos projetos e do qual sou colaborador. Me lembro que quando mostrei o projeto “CANUDOS” para uma multinacional muito conhecida, eles me explicaram que o projeto era importantíssimo, podia até representar o Brasil no Midem, por ser uma coisa histórica etc. mas, que eles precisavam de um retorno imediato. Aquele visão que a gente já conhece bem. Procurei o pessoal do CPC e eles toparam fazer o disco, mas na condição de ser todo fiado, para ser pago com o dinheiro das carteirinhas um ano depois. Topei e combinei com o estúdio, músicos, tudo no fio do bigode e um ano depois, todo mundo recebeu: os 14 percussionistas do Olodum, Oswaldinho o Proveta, todo mundo. Graças a isto fizemos um disco histórico que hoje em dia é referência, valeu a pena. Essas coisas estão no site: www.umes.org.br lá está também o projeto “Serenata na Umes-Gereba Convida”, onde lançamos 6 cds que foram distribuídos na rede de ensino. São discos muito gostosos de se ouvir. Ao mesmo tempo, transformei esses encontros em 50 programas de rádio para a Rádio Cultura com depoimentos históricos como os de Denoy de Oliveira, grande cineasta, que tinha também uma bela voz, Arrigo Barnabé, Dominguinhos, Silvio Caldas que repassou seus grandes momentos da década de 50. Foram programas lindos onde contei com os belos textos do departamento de jornalismo da Radio Cultura. Todos esses encontros foram baseados nas serenatas que eu fazia na minha adolescência em Monte Santo-Ba, com a diferença que aqui foi profissionalmente. Estes encontros foram muito importantes para o meu acervo e para o público da periferia de São Paulo, pois sempre dei prioridade aos estudantes que nunca viram um show na vida. Fazia uma seleção de escolas mais carentes de Cultura e mandava o ônibus ir lá buscar as turmas que podiam ver, por exemplo, um show de Dominguinhos, Silvio Caldas, Antonio Nóbrega, Inezita, Mônica Salmaso e mais de 80 convidados de alto nível da MPB.

11. Alguma chance dele voltar?
G-Estou aguardando, a Petrobrás não contemplou o projeto esse ano, mas, falam que no ano que vem sai. Espero que saia mesmo, pois ele é vital para nós, organizadores de Cultura. Enquanto não vem, estou fazendo o meu show-palestra “Retrato Sonoro de Canudos” nas bibliotecas dos CEUS pela periferia onde levo na minha sacola 9 cds multimídias que ganhei da UFBA com 32 mil documentos de Canudos: Telegramas, dos generais da Guerra de Canudos, a exposição multimídia do pintor Trípoli Galdenze (140 telas) que coloco nos telões e depois canto Canudos. Tem sido muito gratificante ver os nordestinos debatendo Canudos na nossa periferia, eles ficam fascinados com essa história. Este ano, já mostramos dentro do nosso projeto-escola, o retrato e o musical “SERTÃO SERTÕES SÃO”, para mais de cem mil pessoas. Como diz o repentista e meu parceiro, Bule Bule: “Eta Brasil véio, cheio de buraco e de ladeira”. Falando em Bule Bule, fizemos, em parceria com Arnaldo Xavier, a música “Tambores da Paz” para a “Aliança Tambores da Paz”, com sede em Barcelona, que distribuiu para mais de 120 paises que fazem parte da Aliança essa gravação que está no disco que produzi para ele. Contamos com a participação do angolano Filipe Mukenga declamando um lindo texto em francês. Voc6es podem ver no site www.tamtamforpeace.org.br .

12. Por onde anda Patinhas?
G-Trabalhando com marketing político na Argentina, ou em seu escritório virtual em algum lugar do mundo. Ficou rico e lançou ano passado um livro. Continua sendo um grande poeta, um grande jornalista e agora escritor.

13. No final dos anos noventa, Fagner participou de um show seu, em um dos Sescs de São Paulo. Naquela oportunidade, viu-se um Fagner descontraído (apesar de incomodado com uma cadeira desconfortável), cantando pérolas a exemplo de Dúvida (valsa composta por Luiz Gonzaga), Festa da Natureza, Qui nem Jiló, entre outras. Para os fãs de Fagner, trata-se de um show valiosíssimo que merecia disco, uma vez que saiu do repertório rotineiro. Você lembra deste show? Ele foi gravado por vocês?
G-Foi um show lindo. Ele se apresentou dentro de um projeto que montei para o Sesc chamado “Canções que vêm do Sol”. Foram três dias de musica de altíssima qualidade. Montei uma orquestra, a “Gereba Sopros e Cordas” com um quarteto de cordas e um conjunto de choro completo (cavaco, violões de seis e sete cordas, percussão, clarineta, flauta, acordeon e com as participações luxuosas de Altamiro Carrilho e Armandinho, que deram um banho em seus desafios maravilhosos). Nesta estrutura, recebi três grandes intérpretes nordestinos: Fagner, Marlui Miranda e Xangai, ou seja, dois cearenses e um baiano, todos das terras do Sol. O Fagner cantou pela primeira vez comigo a minha parceria com o Patativa, “Festa da Natureza” e a nossa orquestra tocou os belos arranjos originais de Dori Caymmi para as musicas “Penas do Tiê” e “ Mucuripe”. Gravei tudo em MD e tenho também imagens muito bonitas que poderão entrar naquele DVD que falei.

14. Quais momentos seus com Fagner você gostaria de destacar para os amigos da página do Fagner?
G-Este show, “Canções que vêm do Sol”. É pena que não gravamos as nossas serenatas em Copacabana e um programa do Adelson Alves na rádio Globo do Rio, com Naná Vasconcelos, na madrugada, na década de 70.

15-Você está com algum projeto atualmente?Vem disco novo de Gereba por aí ?
G-Estou com os musicais “Sertão Sertões São” e “A Lenda do Quebra Nozes” (infantil). Acabamos de chegar do Festival Internacional do Mercosul no Uruguai e Argentina e foi um sucesso, inclusive trabalharam 4 atrizes uruguaias que fizeram papéis de beatas lá de Canudos e muito bem. Estamos já trabalhando para realizar o próximo, no ano que vem, em Monte Santo. É mais um desafio. Vim com um documento assinado por representantes de 9 paises (México, França, Argentina e outros). “A Declaração de Paysandu” . Vou começar o “Brasil da Gente” com convidados em 8 de janeiro de 2005 em um cinemão restaurado em Atibaia, (60 KM daqui de São Paulo) o Cine Ita. Vão ser encontros mensais. Começo com a Tetê Espíndola cantando Chiquinha Gonzaga, quero ver se levo os meus convidados da Serenata, uns 80 e porque não o Fagner ? Vou consultá-lo. Este projeto é uma parceria com a “Santa Casa”, hospital onde nasceram os meus dois filhos: o Thomaz (6 anos) e o Wagner (9 meses). Continuo coordenando o projeto Carnaforró no carnaval da Bahia, estamos nessa peleja desde 1986 e tive como convidados Luiz Gonzaga e Dominguinhos, estamos aí dando continuidade, mesmo debaixo daqueles modismos bobos da Bahia. Continuo também produzindo e participando dos discos do projeto “Nação Potiguar”, lá no Rio Grande do Norte. É um projeto fantástico. O Fagner já participou do disco do Elino Julião que eu co-produzi. Gravei um disco ao vivo dentro do projeto instrumental do Sesc Paulista chamado “Lua Gonzaga” sobre as canções instrumentais de Luiz Gonzaga que, tenho certeza que se ele estivesse aqui, ia gostar, pois a formação é parecida com aquela original dele, com o regional de Canhoto na década de 50, com um conjunto de choro acompanhando. Até escrevi um texto para o encarte que diz:
(Três momentos inesquecíveis com o Rei do Baião)
1974
Conversando com o amigo e parceiro José Malta (jornalista e radialista pernambucano), filho do grande repentista João Ferreira, a nossa conversa foi sobre a possibilidade de trazer Luiz Gonzaga para um show em Salvador, esse era o nosso sonho. O show que imaginávamos, não podia ser em um lugar qualquer, tinha que ser em lugar nobre da Capital, que no momento era a “CONCHA ACÚSTICA DO TEATRO CASTRO ALVES”. Esse era o lugar que sonhávamos para Luiz Gonzaga, que até então só havia se apresentado pela periferia de Salvador, em carrocerias de caminhão, aliás, era o seu lugar preferido e onde tive a felicidade de vê-lo pela primeira vez quando eu ainda morava em Tucano, cidadezinha do interior da Bahia.
A CONCHA era o lugar nobre e de destaque de Salvador, onde as grandes estrelas como Caetano, Gil, Gal Gosta, Maria Bethânia, Novos Baianos, Mutantes etc. sempre se apresentavam. Começamos a fazer os contatos através de Seu João Ferreira, pai de Zé Malta, que conhecia Seu Luiz, que para nossa surpresa topou fazer o show. Em agosto de 1974 estava lá o nosso Rei do Baião “Luiz Gonzaga”, do jeito que a gente tinha sonhado, no palco da Concha com seu trio (sanfona, zabumba e triângulo) com 5.000 pessoas na platéia. Antes da sua histórica apresentação, surgia atrás dos prédios uma lua do tamanho do mundo para lhe pratear. Pedi aos operadores de luz que apagassem as luzes do palco e deixassem que a luz da lua iluminasse o nosso Lua, era assim que Luiz Gonzaga era conhecido.

2001
Muitos anos depois, em 2001, tive o prazer de participar de um encontro para homenagear o nosso Rei: Eu, Dominguinhos, Sivuca e Oswaldinho naquela mesma Concha, no projeto “SUA NOTA É UM SHOW”. Nesse dia, fiz um desafio ao meu parceiro Carlos Pita que estava na platéia em 74: escrever uma letra que lembrasse aquele momento, onde segundo o meu parceiro, viu duas luas, a lua do céu e a do palco que era Seu Luiz. Bem, o Pita escreveu a letra, eu musiquei, e à noite, estávamos todos lá cantando a nossa musica “DUAS LUAS”, composta naquele dia e homenageando não só Luiz Gonzaga, mas, Seu Januário, Sivuca, Dominguinhos e Oswaldinho, ou seja a dinastia da sanfona brasileira e diz assim:

DUAS LUAS
Gereba e Carlos Pita
SIVUCA RESPEITA SEO LUIZ
LUIZ RESPEITA JANUARIO
SEO JANUARIO TOCANDO SEUS OITO BAIXOS
VAI FAZENDO O PÉ DE SERRA
E TODO MUNDO FELIZ
ME LEMBRO BEM
FOI AQUI NESSE LUGAR
LINDOS BAIÕES AVOANDO SOBRE NÓS
E A LUA SE ABRINDO EM CONCHA
PÉROLA ACESA SOBRE O NOSSO AMOR
QUAL RETRATO DE SÃO JORGE
NA CASINHA DE REBÔCO
EU VI A MEIA LUA
NO CHAPÉU DO CANTADOR
DOMINGUINHOS RESPEITA SEO LUIZ...
SÃO DUAS LUAS NESSE NOSSO MUNDO
LUA DO CÉU QUE É DOS NAMORADOS
E A LUA LÁ DO MEU SERTÃO
LUA GONZAGA LUA DO BAIÃO
AI LUIZ,SEU CANTO É SEMPRE NOVO
QUAL ASA BRANCA SABIÁ CURRUPIÃO
EU TE VEJO ETERNO MENINO
NA ALEGRIA DO FORRÓ
NAS NOITES DE SÃO JOÃO
OSWALDINHO RESPEITA SEO LUIS.

1985
Em dezembro de 1985 fui até a fazenda de |Luiz Gonzaga com dois objetivos: Participar dos festejos pelos 73 anos dele (o 13 de dezembro) e fazer um convite muito especial para ele e Dominguinhos: Participarem como convidados em meu projeto “CARNAFORRÓ”, que era de um trio elétrico tocando forró no carnaval de Salvador e para mim era fundamental que tivesse a presença dos dois. Aliás, era um velho sonho meu como folião da praça Castro Alves, que era ver descer pela avenida um trio elétrico de Forró e com os dois lá em cima. Bem, foram 3 dias de festa na região e principalmente no parque Asa Branca em Exu, na casa de Luiz Gonzaga. Lá estavam presentes Gilberto Gil, Dominguinhos, Gonzaguinha, Marinês, Carlo Pita e muitos outros. Toda tardezinha a gente ficava ouvindo as histórias que ele contava prá gente, assim como o avô conta pros netos, muitas delas tenho gravadas, pois sempre gostei de registrar em meu pequeno gravador cassete momentos como estes. Me lembro que num desses momentos, apareceu Gilberto Gil, com uma letra escrita em um pedaço de papel de pão. Ele tinha acabado de letrificar o famoso choro de Luiz Gonzaga, o “13 de dezembro” , que ele compôs para ele mesmo na década de 50 e estava eu ali, todo orgulhoso, presenciando aquele momento tão bonito ou melhor gravando. Me lembro que Gil mostrou a música, deu um beijo na testa de Seu Luiz e ele emocionado falou para Dominguinhos: “Dominguinhos, eu acho que vou criar esse neguinho”. A Elba Ramalho veio a gravá-la muitos anos depois, em um disco de Dominguinhos.

Parti então para o tal convite sobre o carnaval: “Seu Luiz, considerando que o Senhor é o Rei dos shows em carrocerias de caminhões pelo Brasil afora, o Senhor não toparia se apresentar comigo em cima de um trio elétrico pelas ruas de Salvador o ano que vem? (1986) “. Ele me respondeu: “Gereba, como é que você me convida para subir em um trio elétrico ? Eu já estou velho para essas coisas. Já tenho 73 anos e o trio é uma coisa muito quente.” Me veio na cabeça uma idéia e tasquei: “Seu Luiz, o trio não é nada quente, tem geladeira, água de coco, banheiro e eu prometo para o senhor que nós vamos tocar em um lugar que tem muito vento, nós vamos hospedar o senhor em um hotel que fica no Porto da Barra, vamos parar o trio, descer a escadinha e lá o senhor vai ter o maior conforto possível. O nosso trio, Carnaforró, vai rodar só na orla marítima, (fomos o primeiro trio a rodar na orla em 1986). Ele vai do Porto da Barra até o Cristo , passando pelo farol da Barra e voltando para o hotel no Porto.” Ele pensou, pensou e falou: “Dominguinhos, vamos? Aí estava selado o acordo de cavaleiro. Contrato? Foi no fio do bigode e a Prefeitura de Salvador nos pagou dois meses depois do carnaval. Tudo deu certo, um milhão de pessoas por dia para dançar quadrilha com a gente. Foi um sucesso. Não fizemos nenhum contrato e em nenhum momento me cobraram. Fiquei muito orgulhoso. Ah! Já ia me esquecendo: Graças a isso tudo que acabei de contar, o carnaval de Salvador passou a ter 60% a menos de violência, pois houve com isso o deslocamento do curso do carnaval, do centro para a orla, resultando em menos violência. Outro orgulho que me deu e, assim, foi criado sem querer o tão consagrado “CIRCUITO BARRA-ONDINA”. Luiz Gonzaga e Dominguinhos gostaram tanto de fazer forró no Carnaval, que voltaram nos anos de 1987 e 88 e até hoje a gente toca com muito sacrifício o nosso “CARNAFORRÓ”, que no ano de 2002, saiu com o nome de ‘CARNAFORRÓ- PEDRA 90 “em homenagem aos 90 anos do nosso Rei”.

Estou também com o disco ao vivo, “Brasil da Gente”, com convidados. São discos sem maquiagem alguma e bem gravados. São verdadeiros. Acho que as pessoas precisam conhecer mais sobre este nosso Brasil Real e estes discos mostram bem isto. Bem, eles estão todos na gaveta, por enquanto.

15. Onde e como comprar seus discos?
G- Nos sites: www.umes.org.br www.paulus.com.br.com, Livrarias Paulus, FNAC, Livraria Cortez, Livraria da Vila, site da som livre e com a gente: wgereba@uol.com.br (011) 3831-7511 9179-4075.

Os vinis só se a SONY, UNIVERSAL, RGE-SOM LIVRE, CONTINENTAL quiserem passar para CD