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AS REVELAÇÕES DE CLODO FERREIRA
Queríamos agradecer ao amigo Ruy Godinho, de Brasília, que foi a ponte de ligação entre nós e Clodo, a quem também agradecemos pela gentileza em nos responder.


Pode ser até que você nunca tenha ouvido falar em Clodo Ferreira, mas com certeza você conhece esses versos:
“Um dia vestido de saudade viva/faz ressuscitar/casas mal vividas/camas repartidas/vai se revelar/quando a gente tenta/de toda maneira/dele se guardar/sentimento ilhado/morto, amordaçado/volta a incomodar…” Pois esta maravilha, Revelação, a música que lançou Fagner nacionalmente para o sucesso e uma das canções mais aplaudidas em seus shows, é de autoria de Clodo, que nos anos 70 formava um trio com seus irmãos, Climério e Clésio Ferreira.
Pouco conhecido do grande público mas com sucessos nas rádios, principalmente na voz de Fagner, Clodo faz parte daquela enorme multidão “sem rosto” que são os compositores do Brasil, como tão bem definiu Zeca Baleiro.
Eles quase nunca tem seu rosto conhecido, mas estão por trás dos maiores sucessos do meio musical.

A Página dos Amigos de Fagner tem o grande prazer de entrevistar o compositor Clodo Ferreira, que vai nos falar a seguir de sua carreira, a princípio com os irmãos e agora solo.

As perguntas abaixo foram elaboradas por Geraldo Medeiros Júnior, Ricardo Piolla e Klaudia Alvarez.
 

1) Clodo, em primeiro lugar queríamos agradecer sua gentileza em nos atender para essa entrevista e vamos começar pedindo que você nos fale sobre o início da carreira do trio Clodo, Climério e Clésio. Como surgiu a carreira de vocês ? Fale-nos um pouco da sua família e de que lugar do Piauí vocês são.
Para iniciar, gostaria de dizer que o trio Clodo, Climério, Clésio acabou há cerca de dez anos e eu não falo em nome do grupo, mas somente em meu próprio nome, pois estamos cada um cuidando de sua carreira.
Minhas respostas são, portanto, limitadas ao meu ponto de vista.
Nossa carreira conjunta começou em 1975, quando participamos do programa de TV “Mambembe”. Embora tenhamos cantado isoladamente, fomos apresentados como sendo um trio. Somos irmãos e compositores, o que nos pareceu uma boa idéia na época e formamos o trio que ficou junto até o início nos anos 90.
Temos ainda as irmãs Cleonice, Cristina, Clélia, Cleane e Heloisa. Nascemos no Piauí: o Climério em Angical e Clésio e Clodo em Teresina. Nossa família veio para Brasília a partir de 1962. Atualmente moramos em Brasília.

2) O primeiro disco do trio, São Piauí, saiu em 1977 pela RCA Victor. Lá, além de Conflito e Cebola Cortada, dois grandes sucessos na voz de Fagner,temos a canção "Zero Grau" de Clésio e Climério, obviamente calcada em 4o. Graus de autoria de Fagner. Fale-nos sobre isso.
A letra de Zero Grau é do Climério. Perguntei para ele, e ele diz que há realmente uma relação entre as duas. Mas, na minha opinião, ambas fazem obviamente uma referência à Canção do Exílio.

3) Além de Fagner, vocês tinham uma ligação com Ednardo, pois além de apresentar o 1o. disco de vocês, um dos maiores sucessos de Ednardo, "Enquanto engoma a calça" é uma parceria dele com Climério. Como se deu esse encontro com Ednardo ?
O Climério tem uma ligação maior com o Ednardo, tendo feito algumas parcerias como ele e com outros parceiros, como “Estaca Zero”, “Flora” e outras.

4) Revelação é um dos maiores sucessos da carreira de Fagner. A melodia e as palavras fortes dessa música se casaram perfeitamente com a voz estridente e diferente de Fagner para a época. Qual a historia dessa música ? Foi feita pensando nele ?
Realmente a gravação original do Fagner é inesquecível. Mas a música foi feita antes pelo Clésio, e , antes de ser gravada, teve outras letras que foram sendo substituídas por diversos motivos. Essa letra atual é a que fiz e que o Fagner ouviu num show nosso na época. Portanto, embora tenha uma relação marcante com o Fagner, ela foi feita antes.

5) Pelos nossos levantamentos, Fagner já gravou doze músicas de Clodo, Climério e Clésio. Pelo número, já daria repertório para um disco inteiro. Fagner é, de fato, o grande intérprete da obra de vocês? Quais outros intérpretes gravaram músicas de vocês?
Sim, o Fagner foi importante na divulgação dessas músicas. Mas também acho relevante as interpretações como as de Dominguinhos, Nara Leão, MPB-4, Simone, Fafá de Belém, Ângela Maria, Engenheiros do Hawaii, Teti., Amelinha, Wando e tantos outros.

6) Em 1979 vocês lançaram o famoso Chapada do Corisco. Nele, constam gravações antológicas a exemplo de Morena, Oferenda (com participação de Fagner) e uma gravação intimista de Revelação. Passados mais de vinte anos, qual a sua opinião sobre aquele disco?
Acho um disco muito ligado à sensibilidade daquela época. As letras, a sonoridade, um certo radicalismo, um certo emocionalismo. Acho um disco forte e sincero. Vinte anos depois, não creio que ele envelheceu. Naquela época, era muito próximo do que queríamos fazer.

7) A caixa Raimundo, recém lançada pela Sony é também um mergulho por sua obra. Afinal, na caixa estão as primeiras composições gravadas por Fagner, algumas fora de catálogo até então. Entre as pérolas, encontra-se Oferenda. Qual a sua opinião sobre este relançamento?
Fiquei surpreso e vejo que a gravação é muito boa. Gostei especialmente porque ela é faixa bônus daquele disco  “Beleza”, com o qual tenho uma grande identificação. O repertório de Beleza é muito definitivo. Fiquei honrado.

8) De quem foi a idéia de colocar os versos de Oferenda em francês ?
Aquela letra faz parte de um livro do Climério que era, por estrutura, traduzido para quatro línguas estrangeiras ( inglês, francês, alemão e espanhol). A parte onde estavam os versos de Oferenda estavam traduzidos para o Francês por um grande amigo nosso, Milton Cabral, pessoa com quem mantenho forte amizade até hoje.

9) Na música Corda de Aço, o refrão é um dos mais felizes da história da nossa música: "Minha vida só é vida porque sei que ela vai ser sempre apaixonada". Como foi o processo de composição desta música, você lembra?
Obrigado pelas referências à letra. Acho que aquela estética forte, com palavras decididas, são bem da época, quando parte dos compositores falavam de forma incisiva. A letra foi feita antes e passei para o Fagner. Para falar a verdade, só conheci a melodia depois de já gravada, quando o Fagner me mostrou, se não me engano, ainda na fase de mixagem. Achei maravilhosa a melodia e o arranjo. Continuo achando uma faixa marcante.

10) E o estágio atual da carreira de Fagner, como você avalia? Você acha que se pode dividir a carreira de Fagner em três fases, a dos anos setenta, a mais pop dos anos oitenta e noventa e a atual de volta a um trabalho mais qualificado, sem porém perder o contato com o grande público? Caso concorde, qual a sua fase preferida?
O Fagner é um grande intérprete e me parece uma pessoa inquieta, que fica mudando, experimentando coisas diferentes. Não gostaria de julgar esse assunto. Mas gosto muito quando ele canta obras consistentes, com letras expressivas, área onde sua voz se torna imbatível. Algumas músicas caem muito bem na voz dele. Mas cabe a ele escolher o que cantar. Posso garantir que gosto muito das parcerias que fizemos, embora seja uma quantidade modesta. Mas fizemos Corda de Aço e Meio-Dia, esta última gravada pela Zizi Possi, que me parecem muito definidas.

11) Como e onde vocês conheceram Fagner?
Em 1971, Fagner ganhou um Festival de Música em Brasília ( Festival do CEUB). No ano seguinte, 72, ganhei o primeiro e segundo lugares, e o Fagner estava no juri. Foi aí que conheci o Fagner pessoalmente, embora ele tenha morado em Brasília antes disso. Nesse festival, ganhei com a música Placa Luminosa (Clodo e Zeca Bahia), que depois se tornou o nome de uma banda de uns amigos aqui da cidade que foram para São Paulo. Voltei a ter contato com o Fagner também quando morei na casa do Rodger, em São Paulo. Depois disso, nos tornando amigos em Brasília, onde moravam as irmãs dele.

12) Em seus últimos discos, Fagner não tem gravado mais músicas do trio. Há uma razão especial para isto?
Como eu disse, o Fagner é que sabe o que gravar. De minha parte, nunca fiz restrição. Quando ele quiser gravar, vai gravar.

13) Após o Chapada do Corisco se sabe que foram lançados outros discos em trio ou individualmente. Você pode falar sobre eles e sobre os respectivos repertórios? Algum já foi lançado no formato de cd?

Gravura - Clodo Ferreira - 2002 - UnB Discos
1. Pedra Lapidade (Clodo Ferreira)
2. Os Iguais (Clodo Ferreira)
3. Gravura(Clodo Ferreira)
4. Matutei (Clodo Ferreira)
5. Dimensão (Clodo Ferreira)
6. Quebrra-Queixo(Clodo Ferreira)
7. Rama (Clodo Ferreira)
8. Engrenagens (Clodo Ferreira)
9. Feitiço Mineiro (Clodo Ferreira)
10. Senhora Pantaneira (Clodo Ferreira)

Corda de Aço Clodo Ferreira - 1998 - UnB Discos
1. Mentira da Saudade (Clodo )
2. Cebola Cortada (Petrúcio Maia e Clodo)
3. Revelação (Clésio e Clodo)
4. Querubim (Dominguinhos e Clodo)
5. Ponta do Lápis (Rodger e Clodo)
6. Ave Coração (Zeca Bahia e Clodo)
7. Meio-Dia(Fagner e Clodo)
8. Borboleta Branca(Clodo, Climério, Clésio)
9. Beijo Inssosso(Zeca Bahia e Clodo)
10. Corda de Aço (Fagner e Clodo)

Tiro Certeiro (CD)
Clodo, Climério, Clésio - 1999 - T Bone Cultura
Afinidade
Clodo, Climério, Clésio - 1993 - Som Terra
Clodo, Climério, Clésio
Clodo, Climério, Clésio - 1991 - Som Terra
Profissão do Sonho
Clodo, Climério,Clésio - 1989 - Produção Independente
Ferreira
Clodo, Climério, Clésio - 1981 - RCA
Chapada do Corisco
Clodo, Climério, Clésio - 1979 - CBS
São Piauí
Clodo, Climério, Clésio - 1977 - RCA

15) Fale-nos um pouco sobre a sua carreira solo desde o fim do trio Clodo, Climério e Clésio há 10 anos. Com quem você tem feito música recentemente ?
Depois que iniciei carreira solo, já me apresentei ao lado de Zé Ramalho e Tom Zé, e me apresentei em shows de Brasília, Teresina e Fortaleza. Meu trabalho mais recente é um show interpretando SINHÔ, inclusive a última apresentação foi em Fevereiro, juntamente com o jornalista Tárik de Souza, no projeto Literatura em Conjunto. Tenho feito muitas canções sozinho, letra e música. Mas retomei a parceria com Dominguinhos e tenho enviado algumas letras para o Fagner. Entre os novos parceiros, estou começando um trabalho com o compositor do Piauí chamado Aurélio Melo.

16) Quem é o cidadão Clodo ? Recentemente, em conversa que tivemos com Fausto Nilo, ele se disse "uma das pessoas mais felizes do mundo pois podia viver das duas coisas que mais amava : música e arquitetura. E você, como define sua vida ? Você se considera um poeta ou um letrista ?
Atualmente, estou fazendo doutorado em História Cultural, na Universidade de Brasília. Considero-me mais letrista de música popular e gosto do que faço. Tenho feito também melodias e também gosto. Sou professor de comunicação da UnB, onde leciono uma disciplina chamada Comunicação e Música, que é extremamente gratificante. Leciono também disciplinas na área de criatividade na comunicação. Meus filhos Pedro e João estão comigo nos shows e nos discos. Pedro é percussionista e João violonista. Adoro trabalhar com eles. O cidadão Clodo Ferreira é feliz com o que fez na música e feliz porque ainda quer fazer mais coisas. Tomara que a vontade não passe.

17) Clodo, como se pode adquirir os seus CDs solo ? Tem algum endereço na Internet onde se pode comprar seu trabalho mais recente ?
Meus dois discos solos foram lançados pela editora UnB, da Universidade de Brasília. O primeiro CD “Corda de Aço” está esgotado. O CD “Gravura” ainda está disponível. (www.editora.unb.br ou Clodogravura@uol.com.br )